Passados 14 anos do ingresso de ações na Justiça, a Associação dos Municípios do Estado do Ceará (Aprece) conseguiu recuperar o total de R$ 1,15 bilhão – referente ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef) – para 41 municípios.
Em 2004, todos os 184 municípios cearenses chegaram a ser convocados pela entidade para tentar reaver os recursos, porém, apenas 56 concordaram em ingressar com ações por meio de advogados articulados pela Aprece, afirma o consultor econômico da entidade, Irineu de Carvalho.
“A União tinha o compromisso de complementar verbas, assim como o Estado e os municípios. Mas, durante todo o tempo do Fundef, estava repassando ao Ceará algo como apenas 2% daquilo que o Estado e municípios colocavam. Ninguém tinha coragem de mover ação contra a União porque, se perdesse, tinha a sucumbência, e só 56 acreditaram na nossa tese”.
Atuação conjunta
Nos anos seguintes, a Aprece buscou reunir novamente os demais municípios para que ingressassem em conjunto contra a União na tentativa de reaver os valores perdidos, rememora Irineu, e conseguiu agregar, ao todo, 135. Enquanto que, outros 13 recorreram à Justiça individualmente. Com a prescrição (5 anos) avançando, ano após ano, os 184 municípios perderam muito dinheiro.
“Se todo mundo tivesse entrado (na Justiça) na época certa, teriam recebido juntos R$ 12,4 bilhões”, detalha, contabilizando que o valor perdido hoje chega à casa dos R$ 6,5 bilhões. Em 2004, o valor global que os 56 municípios auxiliados pela Aprece poderiam recuperar sozinhos seria de R$ 3,1 bilhões, mas já penalizados com a perda de R$ 450,2 milhões.
Alvo de ações
A ação dos advogados articulados pela Aprece, entretanto, foi recentemente alvo de ações judiciais e extrajudiciais, coordenadas pelo Ministério Público do Ceará, Ministério Público Federal, Ministério Público de Contas e Advocacia-Geral da União.
Por meio de uma força-tarefa, os órgãos fiscalizadores anunciaram o resgate de R$ 150 milhões do fundo, que seriam, segundo eles, utilizados “irregularmente” no pagamento de honorários advocatícios.
As decisões conseguidas pelo Ministério Público do Estado foram favoráveis aos municípios de Tianguá, Icó, Juazeiro do Norte, Boa Viagem, Morada Nova, Antonina do Norte, Pereiro, Guaramiranga e Limoeiro do Norte; e quatro ações judiciais referentes aos municípios de Acaraú, Meruoca, Caucaia e Jaguaretama aguardam decisão.
Para o Ministério Público, os honorários dos advogados poderiam ter sido pagos “pelo tesouro, em outra rubrica orçamentária – mas isto se fosse juridicamente possível e moralmente justa a contratação de advogados privados para fazer este trabalho simplíssimo em lugar das Procuradorias Municipais – coisa que não se admite”, endossa o promotor de Justiça e coordenador do Centro de Apoio Operacional da Defesa do Patrimônio Público e da Moralidade Administrativa, Élder Ximenes.
A Aprece, por sua vez, nega qualquer irregularidade, tendo em vista que o próprio Superior Tribunal de Justiça (STJ) determina que o “advogado tem direito a receber o recurso mesmo que seja dinheiro da educação porque esse dinheiro não teria chegado ao município não fosse sua ação”, defende Irineu de Carvalho. Os R$ 150 milhões, segundo a Aprece, dizem respeito à precatórios que estão sendo pagos esse ano. O cálculo para chega a esse valor, informou o Ministério Público, somou “apenas os valores referentes às ações iniciadas pelo MPC/CE dos municípios que possuíam contratação de advogado(a)(s) com valor estimado informado no Portal de Licitação dos Municípios”.
Trabalho das procuradorias
O consultor da Aprece aponta ainda que, conforme dados do Portal da Transparência, do Tribunal de Contas do Estado do Ceará, no ano (2004) em que os 56 municípios ingressaram com ações pela Aprece, 33 deles não tinham procuradorias. Logo, não seria possível a realização do trabalho via Procuradorias Municipais, conforme determina o Ministério Público.
Já de acordo com o promotor Élder Ximenes, mesmo que as procuradorias não existissem, “seria o caso de contratação mediante licitação comum, sem tratar de notória especialização ou exclusividade, dada a singeleza do objeto. Jamais por dispensa ou inexigibilidade de licitação. Note-se que em uma situação hipotética como esta, qualquer movimentação do município em qualquer processo judicial exigiria a contratação de escritório mediante licitação”.
“Não há ilegitimidade de contrato porque a Justiça federal, em grau de recurso, reconheceu a legitimidade dos advogados em receber os honorários porque o contrato é legítimo. E quem tem competência pra tratar sobre qualquer assunto do Fundef e Fundeb é o Ministério Público Federal porque são recursos oriundos do cofre da união”, diz Irineu. “Os advogados foram contratados pelos municípios por procuração, e isso os legitimou a trabalhar e obter êxito. A finalidade pública foi atingida”, complementa.
Fundo estimula ampliação da oferta de ensino
Em vigor de 1997 a 2006, o Fundef se tratava de um fundo de natureza contábil, a partir do qual cada município recebia o equivalente ao número de alunos matriculados na sua rede pública do Ensino Fundamental (1ª a 8ª séries do antigo 1º grau). Foi extinto e substituído pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). O Fundo foi instituído pela Emenda Constitucional n.º 14, de setembro de 1996, e regulamentado pela Lei n.º 9.424, de 24 de dezembro do mesmo ano, e pelo Decreto nº 2.264, de junho de 1997.
Fonte: Diário do Nordeste