Preservar os recursos hídricos é um desafio histórico. E quando se trata de uma região semiárida, cujo líquido é ainda mais valioso, essa tarefa se potencializa. No Ceará, há quase uma década, as precipitações estiveram abaixo da média histórica. O efeito imediato deste cenário é o declínio do volume dos açudes.
Para quem precisa desta água, a correta administração é vital. É com essa proposta, de monitorar a qualidade hídrica dos reservatórios, que a Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme), em parceria com a Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh), desenvolve um estudo pioneiro no Estado.
Através de imagens de satélite, sensores aquáticos e amostras de água, os órgãos vão realizar um acompanhamento qualitativo dos recursos hídricos com a finalidade de captar informações a serem aplicadas em diferentes setores, que vão desde o abastecimento humano até o peixamento – atividade que tem por desígnio o povoamento, repovoamento e a estocagem de alevinos.
O projeto começou a ser idealizado na metade do segundo semestre de 2019 e sua concepção levou cerca de três meses para ser finalizado, conforme explica o gerente de Estudos e Pesquisas em Recursos Hídricos da Funceme, Porfírio Sales Neto. Ele detalha que o próximo passo, agora, é submeter a proposta ao Banco Mundial, instituição que deverá financiar o projeto, orçado em R$ 1,2 milhão. “As atividades em campo devem começar ainda na metade de 2020”, pontuou Porfírio.
Etapas
Neste primeiro momento, 13 açudes foram escolhidos para serem monitorados. São eles: Acarape do Meio, Araras, Banabuiú, Castanhão, Curral Velho, Edson Queiroz, Jaburu I, Olho D’Água, Orós, Pacoti, Pedras Brancas, Pentecoste e Rosário. Esses reservatórios, segundo Sales, são estratégicos devido à localização e à capacidade de armazenamento.
O acompanhamento qualitativo será importante para medir o grau de eutrofização de cada açude. Esse processo, explica Porfírio, consiste no enriquecimento do ambiente aquático com nutrientes, especialmente fósforo e nitrogênio. Essa atividade, quando natural, pode levar milhares de anos sem causar dano algum. O problema, no entanto, reside na eutrofização artificial, causada pela ação antrópica. “Gera mudanças drásticas e negativas ao ambiente” em um período relativamente curto de tempo, alerta Sales Neto.
No ano passado, mais de 2 mil toneladas de peixes morreram no Castanhão, decretando o fim da piscicultura no maior açude cearense. Episódio como este poderia ser evitado caso o recurso hídrico fosse monitorado.
O presidente da Funceme, Eduardo Sávio, ressalta que o setor produtivo será beneficiado à medida que os resultados surjam. As vantagens desse projeto que tem horizonte de três anos, no entanto, vão além. “A análise dessas águas vai subsidiar diversos órgãos, como a Cagece. Se essa água é usada para o consumo humano, o tipo de tratamento dado é diferente. Então a Companhia de Água, em posse das informações, pode identificar quais produtos, por exemplo, deverão ser utilizados para remover essas algas”.
Benefícios
O otimismo quanto aos possíveis resultados a serem obtidos com o projeto pioneiro é legítimo. Eduardo Sávio detalha que, quando ocorre o aumento quantitativo de cianobactérias (algas) nos reservatórios, surge um grave problema ambiental e de saúde pública. Ao se proliferarem nos espelhos d’água, elas impedem a transparência do líquido, o que leva a um processo de desoxigenação.
Além disso, as cianobactérias têm por característica a produção de substâncias tóxicas que alteram a cor e o gosto da água. Essas toxinas podem gerar sérios riscos à saúde humana. Com o mapeamento qualitativo, os entes públicos terão subsídio, por exemplo, para definir quais açudes e em quais pontos específicos desses reservatórios, poderá ser retirada a água que abastecerá os carros-pipas e, posteriormente, as comunidades mais afetadas pela estiagem.
Porfírio Sales explica que todas as informações serão disponibilizadas pela Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece), órgão responsável por realizar a análise das amostras coletadas. O presidente da Funceme, Eduardo Sávio ressalta, porém, que embora a princípio somente 13 dos 155 açudes monitorados pela Cogerh sejam objetos de estudo, a expectativa é ampliar essa análise para outros reservatórios do Estado.