Relatório mundial de saúde mental divulgado recentemente pela Organização Mundial de Saúde (OMS) revela que quase um bilhão de pessoas, incluindo 14% dos adolescentes do mundo, viviam com algum tipo de transtorno mental em 2019. Enquanto isso, o suicídio foi responsável por mais de uma em cada 100 mortes. Cinquenta e oito por cento desses suicídios ocorreram antes dos 50 anos de idade.
O levantamento, considerado a maior revisão mundial sobre saúde mental desde a virada do século, aponta também que pessoas com condições graves de saúde mental morrem em média 10 a 20 anos mais cedo do que a população em geral.
Os dados são contundentes e precisam ser debatidos. Para jogar luz no problema que afeta a vida de tantas famílias, a Organização Mundial de Saúde (OMS) instituiu, em 2003, o 10 de setembro como o Dia Mundial de Prevenção do Suicídio.
A psicóloga e orientadora da Célula de Saúde Mental e Práticas Sistêmicas Restaurativas do Comitê de Responsabilidade Social da Assembleia Legislativa do Ceará (Alece), Raquel Penaforte, chama a atenção para o crescimento em 25% dos casos de depressão e ansiedade no mundo com o cenário da pandemia, conforme a OMS. De acordo com ela, os dados são preocupantes, tendo em vista que o Brasil desponta como um dos países com maior índice de ansiosos e depressivos.
Diante desse cenário, Raquel Penaforte alerta para a necessidade de discutir mais sobre saúde mental, como campanhas do Setembro Amarelo, que buscam informar a população.
Para a psicóloga, é necessário ainda reforçar os serviços disponibilizados para atender a crescente demanda de atendimentos psicológicos e psiquiátricos. “Falar sobre o assunto possibilita não só o acesso às informações, mas desmistificar e desestigmatizar o adoecimento mental e o suicídio. A informação é o principal veículo de prevenção primária. Esse assunto precisa ser tratado com a seriedade que merece”, pondera.
CENÁRIO NO CEARÁ
Todos os dias pelo menos uma pessoa cometeu suicídio, somente no Ceará, neste ano. Por mês, cerca de 40 pessoas tiraram a própria vida, de acordo com dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), mantido pela Secretaria de Saúde do Ceará (Sesa). Até o mês de julho foram registrados 275 suicídios no Estado. Já no mesmo período de 2021, foram 365, uma redução de 24,65% quando comparados. Apesar da redução, o volume de casos ainda chama a atenção negativamente.
Durante todo o ano passado, foram 678 suicídios no Ceará. Para se ter um comparativo, o Boletim Epidemiológico sobre as Lesões de Trânsito no Ceará, divulgado pela Sesa, aponta que 580 pessoas perderam a vida em acidentes com motos. Ou seja, o acidente de trânsito, considerado o mais fatal no Estado, ainda é menos letal que o suicídio. Se somar os registros de óbitos de outros acidentes de transportes terrestres (250), pessoas ocupantes de um automóvel (168), pedestres (134) e ciclistas (34), ainda assim não chega ao número de mortes autoprovocadas.
DISCUSSÃO NECESSÁRIA
A coordenadora da Célula de Psicologia do Departamento de Saúde e Assistência Social (DSAS) da Alece, psicóloga Conceição Guerra, enfatiza a necessidade de discutir o tema, sobretudo em um cenário mundial com pandemia e surgimento de novas doenças que “dispararão gatilhos de ansiedade e depressão”. Segundo a profissional, a necessidade de pertencimento e validação do ser humano tem ficado cada vez mais acentuada, diante da grande exposição às mídias sociais. “É nas mídias onde ocorrem os julgamentos e os cancelamentos, fatores que podem levar ao adoecimento psíquico, desencadeando uma ideação suicida, dependendo da gravidade desse adoecimento”, avalia.
A pessoa com ideação suicida geralmente apresenta sinais persistentes de melancolia, comportamentos retraídos e similares que devem ser observados, conforme a psicóloga. Conceição Guerra pondera, no entanto, que se uma pessoa está passando por um momento de dificuldade, não significa que ela desenvolverá um quadro depressivo ou que cometerá suicídio, porém familiares e amigos têm papel fundamental estando atentos aos sinais e procurando ajuda profissional, se preciso.
Conceição destaca também a urgência em incrementar ações voltadas principalmente para a prevenção do suicídio, assim como fornecer suporte com tratamento adequado para aqueles que estão vivendo esse conflito, atuando juntamente às famílias no cuidado com seus entes queridos.
Os gatilhos para a ansiedade e depressão são, muitas vezes, resultado de ações presentes no convívio social. Como enfatiza a psicóloga, questionar “o que a sociedade pode fazer”, em um primeiro momento, sugere “a sociedade” como um terceiro, porém, é necessário entender que “todos fazemos parte dessa sociedade” e todos têm um papel diante de alguém em sofrimento psíquico, seja um amigo próximo, um familiar ou enquanto profissionais.
Sendo assim, esse corpo social como um todo tem papel fundamental na discussão do assunto, em casa, nas escolas, grupos sociais e utilizando de todas as plataformas de comunicação disponíveis para falar sobre depressão, ideação suicida, entre outros transtornos mentais.
“Uma vez que tenhamos esse conhecimento, é preciso também nos trabalhar como indivíduos, quebrando barreiras e preconceitos arraigados na nossa sociedade quando se trata de questões psicossociais. Precisamos trabalhar o amor ao próximo, olhar para o outro com mais generosidade e com mais afetividade”, aconselha Conceição.
SETEMBRO AMARELO
No Brasil, a campanha Setembro Amarelo de prevenção ao suicídio foi criada em 2015 pelo Centro de Valorização da Vida (CVV), Conselho Federal de Medicina (CFM) e Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), com a proposta de associar a cor ao mês que marca o Dia Mundial de Prevenção do Suicídio, em 10 de setembro. No Ceará, o mês alusivo foi instituído no Calendário Oficial do Estado por meio da Lei nº 16.185, de 28 de dezembro de 2016, oriunda de projeto de lei apresentado pelo deputado Renato Roseno (Psol).
LEIS E PROJETOS
O debate sobre a saúde mental e a prevenção do suicídio também está em pauta no Legislativo cearense. Além do projeto que instituiu o Setembro Amarelo no Calendário Oficial, outros projetos, dos mais diversos parlamentares, já foram deliberados ou estão em tramitação.
Entre os projetos com foco na saúde mental aprovados em plenário e que já se tornaram leis está o 232/21, da deputada Fernanda Pessoa (União), que originou a Lei 18.087, de maio de 2022, e institui o Selo Escola Amiga da Saúde Mental no Estado do Ceará.
Foi sancionada também a Lei 17.909, de janeiro de 2022, que institui no Calendário Oficial Do Estado Do Ceará a campanha Outubro Lilás como mês de promoção e valorização da saúde mental de profissionais da educação. A lei é oriunda do PL 568/21, de autoria do deputado Renato Roseno (Psol).
Já a Política de Diagnóstico e Tratamento da Síndrome da Depressão nas Redes Públicas de Saúde é estabelecida no Ceará pela Lei 16.985, de setembro de 2019. A lei é originada do projeto 229/19, de autoria do deputado Evandro Leitão (PDT).
Outras matérias sobre o tema da saúde mental seguem em tramitação na Casa Legislativa. O projeto de lei 186/21, do deputado André Fernandes (PL), busca estabelecer a inspeção anual de saúde mental para integrantes das polícias e bombeiros militares do Ceará, enquanto o projeto de indicação 148/22, do deputado Apóstolo Luiz Henrique (Republicanos), trata sobre a instituição do programa estadual em saúde mental e sobre a implementação de ações de assistência social e prevenção ao suicídio entre profissionais de segurança pública e defesa social no Estado.
A Assembleia Legislativa do Ceará conta ainda, desde 2019, com a atuação da Frente Parlamentar em Defesa da Saúde Mental e Prevenção ao Suicídio, atualmente presidida pela deputada Érika Amorim (PSD).
ONDE BUSCAR AJUDA
Quem está ou conhece alguém que esteja passando por momentos difíceis, com depressão, ansiedade ou sinais e sentimentos que remetem ao suicídio, é importante procurar ou indicar ajuda especializada, o mais breve possível. Há instituições como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e o CVV, que podem dar o devido suporte profissional.
Centro de Valorização da Vida – CVV
Atendimento 24h
R. Ministro Joaquim Bastos, 806 – Bairro de Fátima
https://www.cvv.org.br
Fone: 188
Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Ceará
Núcleo de Busca e Salvamento
Av. Presidente Castelo Branco, 1000 – Moura Brasil – Fortaleza-CE
Fone: 193
Hospital de Saúde Mental de Messejana
Rua Vicente Nobre Macêdo, s/n – Messejana – Fortaleza/CE
www.hsmm.ce.gov.br
Fone: (85) 3101.4348
Programa de Apoio à Vida – PRAVIDA/UFC
Rua Capitão Francisco Pedro, 1290 – Rodolfo Teófilo – Fortaleza/CE
www.pravida.com.br contato.pravida@gmail.com
Fone: (85) 3366.8149 / 98400.5672
Laboratório de Relações Interpessoais – L’ABRI/UFC
Avenida da Universidade, 2762 – Benfica – Fortaleza/CE
labriufc@gmail.com
Instituto Bia Dote
Av. Barão de Studart, 2360 – Sala 1106 – Aldeota – Fortaleza/CE
www.institutobiadote.org.br contato@institutobiadote.org.br
institutobiadote@gmail.com
Fone: (85) 3264.2992 / 99842.0403
Instituto DimiCuida
Av. Santos Dumont, 1388 – Aldeota – Fortaleza/CE
www.institutodimicuida.org.br fabiana@institutodimicuida.org.br
Fone: (85) 3255.8864 / 98131.1223
Centro de Apoio ao Sujeito no Luto – CASULU
facebook.com/casulupsi
Fone: (85) 3109-6616 / 99996-7447
É possível conferir ainda a relação de todos os Centros de Atenção Psicossocial do Ceará, divulgados pelo Vidas Preservadas, do Ministério Público do Ceará, clicando no link. O programa oferece capacitação, além de garantir recursos públicos prioritários para fortalecer políticas públicas para a prevenção do suicídio.